Outland (XBLA)

Este post faz parte da série “Indie no Cosmic Effect”

por Danilo Viana

Se você acompanha blogs, usuários do Twitter, perfis do Facebook ou qualquer outro conteúdo social associado a jogos eletrônicos, com certeza já ouviu um ou outro reclamar de uma suposta estagnação do mercado – jogos estão cada vez mais do mesmo e nenhuma inovação acontece já a algum tempo. Enquanto não se pode negar que os grandes blockbusters estão todos colhendo da mesma fonte, o mesmo não pode ser dito sobre as lojas online dos consoles atuais, destinadas a jogos mais simples – nestas lojas pipocam jogos criativos e tais lojas acabam se tornando o laboratório das empresas, locais onde é possível inovar sem o enorme comprometimento e investimento necessário para desenvolver os grandes lançamentos.

A mais nova feliz experiência da Ubisoft é Outland, um jogo definido perfeitamente como “Ikaruga de plataforma”. Para quem não conhece Ikaruga, trata-se de um shoot-em-up vertical onde sua nave possui dois “escudos” – um é branco (azul) e o outro preto (vermelho escuro) – e cada escudo é capaz apenas de defender sua nave de tiros da mesma cor, sendo atingido normalmente por tiros da cor oposta. Os inimigos também possuem estas cores e atirar neles com a cor oposta causa mais dano que o normal. O truque do jogo é trocar de escudo na hora certa, evitando ser atingido e tentando causar o máximo de dano nos inimigos trocando para a cor oposta.

Bom, este post é sobre Outland, então porque perder um parágrafo explicando como funciona Ikaruga? Se ler a explicação novamente, substituindo “shoot-em-up vertical” por “plataforma” e “Ikaruga” por “Outland” deixando todo o restante como está, você entendeu como funciona Outland.

A história do jogo é simples, beirando a não existência. Você é um “herói” e o inimigo são as irmãs da criação. As irmãs são a deusa da luz e a deusa das sombras; elas criaram o mundo, mas foram aprisionadas não se sabe por quem ou por quê,  e querem se vingar destruindo o mundo que elas próprias criaram. Sua missão como herói é impedir, fim. O enredo, de tão simples que é, novamente lembra os shot-em-ups. Embora seja possível apreciar sua simplicidade, os amantes de longos romances vão ficar na vontade aqui.

É na jogabilidade onde está toda a graça. Assim como sua contra-parte shooter vertical, em Outland você pode trocar de escudo e se defender de projéteis (e apenas projéteis) inimigos da mesma cor. Devido a esta mecânica, o jogo atira muito mais projéteis em você do que o padrão para um jogo de plataforma ,e com isso, por vezes você estará apertando o botão de trocar de escudo mais que o próprio botão de pulo. Some o fato de que existem plataformas e armadilhas que ativam e desativam baseado na cor de seu escudo e temos aí um prato cheio de jogabilidade para algumas horas.

A estrutura das fases de Outland segue a escola Metroid, com um grande mapa que pode ser explorado a vontade. Há teleportadores liberados mais a frente no jogo e a todo momento é possível consultar o mapa da área em que se encontra. Taí uma semelhança específica com Super Metroid, onde não é possível ver o mapa do jogo todo de vez, apenas da área atual; seria bem interessante se Outland funcionasse como Symphony of the Night neste aspecto, onde o mapa inteiro está disponível de vez.

Outland não é sem defeitos – para começar o jogo é estranhamente fácil apesar do bullet hell. Em Ikaruga as vidas são poucas e a nave é destruída com apenas um ataque, mas em Outland a energia é abundante, os checkpoints bem posicionados e as vidas ifinitas. Ser perfeito na troca do escudo não é tão importante e, às vezes, é mais fácil ser atingido e correr que se dar ao trabalho de trocar de escudo com perfeição. A exceção é nos chefes, que são divertidos e desafiantes, exigindo boa estratégia para serem vencidos.

Inclusive no departamento de chefes, Outland outra vez pede emprestado aos shooters um pouco de inspiração. Eles são enormes – alguns tendo várias “telas” de comprimento – e todos requerem uma estratégia diferente do simples acerte até morrer. A troca de escudos aqui é fundamental pois, diferente das fases normais, os chefes não têm checkpoints no meio da batalha. A punição por morrer é recomeçar todo o combate, como em todo bom shmup.

Outro “defeito” do jogo é sua curtísima duração, podendo ser vencido em cerca de 6 horas. Particularmente gosto da curta duração, pois estimula um replay rápido e descompromissado, mas é estranho que o jogo tenha sido estruturado como um “Metroidvania”. Há itens escondidos que dão mais energia e ataques mais fortes, mas há pouco incentivo à exploração. Se você seguir cada fase linearmente, dando apenas uma pequena explorada na tela em que esteja atualmente, é bem capaz de você chegar ao fim poderoso o suficiente para enfrentar o chefe final. Infelizmente aqui a oportunidade foi perdida – o jogo ficaria muito mais interessante se houvesse mais incentivo a exploração, com direito a bullet hells incríveis protegendo power-ups escondidos.

Outland pode ser um jogo de plataforma 2D no melhor estilo retrogamer, mas no departamento gráfico ele é um jogo de “ultíssima” geração. O cenário é todo estilizado e o contraste entre as criaturas da escuridão e da luz cria uma harmonia quase que coreografada. O bullet hell também forma danças na tela no melhor estilo Ikaruga, chegando ao clímax nos momentos finais do jogo, onde sua cabeça vai dar uma volta tentando esquivar de todos os tiros.

No departamento sonoro o jogo é apenas mediano – o ponto alto é o som dos tiros, que ajuda a criar o efeito de coreografia. A música é apenas ambiente e os inimigos mal emitem sons, a não ser quando são atacados. No geral, o som do jogo não é ruim, mas não impressiona.

Outland é mais um membro do clube de jogos criativos, que conseguem misturar uma jogabilidade simples com um elemento novo obter destaque por isso. É uma pena que nos consoles estes jogos estão limitados as modalidades “arcade”, mas é ótimo que exista uma forma de desenvolvedoras arriscarem novas idéias sem precisarem falir. Nós, jogadores, só temos a lucrar com isso.

SCORE

GAMEPLAY: A estrela do jogo, quem diria que Ikaruga funcionaria como um platformer 5/5
GRÁFICOS:
Para um jogo 2D os gráficos são impressionantes e, ainda assim, simples 5/5
SOM:
Apenas o necessário 3/5
TRILHA SONORA:
Novamente apenas o necessário, dificilmente vai figurar no Video Games Live 3/5
DIFICULDADE:
Uma dificuldade maior caía bem, bullet hell não combina com vidas infinitas e checkpoints 3/5

DADOS

NOME: Outland
PLATAFORMA: Xbox 360, PS3
DISPONÍVEL EM: Xbox Live Arcade, PSN
DESENVOLVEDORA: Housrmarque
DISTRIBUIDORA: Ubisoft
ANO: 2011

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Todos os jogos da série “Indie no Cosmic Effect” (até este artigo)

Jamestown: Legend Of The Lost Colony (PC) por Heider Carlos
Outland (XBLA) por Danilo Viana
VVVVVV (PC) por Émerson Watanabe

Super Metroid (SNES)

(screenshots do Super Metroid digitalizados diretamente do console real!)

Esse negócio de ser retrogamer é bom demais: com a next-gen percorrendo um caminho duvidoso ultimamente – notícia de um lançamento para breve, Mass Effect 3: “último capítulo da franquia oferece possibilidade de relacionamento do mesmo sexo para o jogador*” – os jogos do passado serão um prato cheio num eventual caos gamístico num futuro próximo. Por gentileza, conheçam Super Metroid.

Jogo obrigatório para quem teve o Super NES em sua época, este é um exemplar raro nos videogames. Atribui-se muito crédito ao primeiro Metroid ter introduzido o conceito de exploração nos videogames – apesar de já existirem jogos com alguma liberdade, como o próprio Pitfall (1982) – mas Metroid, lançado 4 anos depois, trouxe relevância e complexidade ao conceito.

Só que o primeiro jogo da franquia tem uma dificuldade elevada no início, o que acaba afastando alguns jogadores de tentar completá-lo – eu incluso. Super Metroid ou simplesmente Metroid 3 (sétimo na cronologia) passa a impressão de ser o update do primeiro Metroid, sob vários aspectos e, provavelmente, o melhor título de toda a franquia.

Sem entrar nos detalhes de que ele é uma “combinação de Mario com Zelda” e outras características já conhecidas, gostaria de ressaltar a belíssima influência (aparentemente assumida) da franquia de cinema Alien e da sensação de ser um jogo ainda melhor do que Metroid Prime – a versão FPS, que a Nintendo prefere chamar, com propriedade, de “first-person adventure“. Como pode, um jogo 2D, de 1994, ser ainda superior ao já fantástico Metroid Prime?

Apesar de conhecer Metroid do NES, só fui jogar por completo o Metroid Prime (o primeiro e parte do segundo) no Wii, da franquia Metroid. Fiquei completamente seduzido com a delícia que é a exploração neste game.

Não estamos falando de uma liberdade total (ainda bem) e sim de uma lineariedade bem escondida – Metroid faz teasing com o jogador o tempo inteiro: Samus adentra uma sala, explora o cenário e descobre que não alcança certos locais; o ambiente “informa” que você deve procurar uma solução, mas talvez suas ferramentas ainda não são suficientes.

Guarde o local na memória, meu caro, porque num dado momento, um novo item irá prover alguma habilidade necessária à Samus Aran atingir aquele ponto. Até lá… sofra de ansiedade, ou até tente explorar um brecha ou glitch – existem alguns casos onde há essa possibilidade. É plataforma no seu melhor.

No Prime, em 3D, a Retro Studios fez um jogaço sob a supervisão da Nintendo: a sensação é do bom e velho Metroid, só que na perspectiva tridimensional – sequências de pulos e mais pulos são o maior indicativo de que você está num plataforma, e não num FPS.

Inclusive lembrou automaticamente os bons tempos dos first-person shooter da id Software – para quem acha que Doom e Quake tratam somente de atirar em monstros, como nos jogos da atualidade do gênero, é porque nunca jogou suas campanhas single player por inteiro: há ótimos momentos de exploração e quebra-cabeça nos mapas de John Romero.

Só um FPS da Nintendo poderia trazer isso de volta ao gênero. Mas, o detalhe que gostaria de pontuar é: Super Metroid consegue dar a sensação de que ELE é o update do Metroid Prime, e não o contrário.

Ainda que haja (um pouco) mais de exploração do que na versão 2D, achei o backtracking um pouquinho excessivo no Prime, tornando-o cansativo por vezes; no Super NES, é mais rápido atingir áreas distantes e isso é uma delícia.

Por conta da tal ênfase na exploração, ambos (acredito que todos Metroid façam o mesmo) facilitam a vida de Samus: excetuando-se as batalhas com os chefes, é bem tranquilo matar os inimigos, Samus Aran quase nunca morre durante suas andanças.

Na trilogia nova, seus finais melhores dependem não tanto do menor tempo consumido (como era o caso até então), e sim de mais upgrades dos itens como o míssil ou tanques de energia. Tal fato força o jogador a gastar mais tempo no backtracking, em busca destes itens.

Por fim, o mapa de Prime, que se apresenta como um modelo vazado em 3D muito bonito, torna-se confuso em muitos momentos; Super Metroid, com seu automapa em glorioso 2D, é como um mapa que a gente desenhava no caderninho de mapas e passwords que nos acompanhava antigamente… parece que foi você mesmo quem fez! :)

Controlar Samus é uma maravilha, a fluidez é absurda. Fiz questão de jogar no Super Nintendo, com seu controle original para aproveitar ao máximo a experiência.

À medida em que os upgrades vão sendo descobertos pelo jogador e uma nova área é atingida, seu senso de “isso compensa” aumenta.

O mapa foi desenhado visando premiar as habilidades da heroína, como em qualquer jogo do tipo; mas o design é tão genial que, em dado momento, você literalmente esquece que os elementos do ambiente são pretextuais. Fabuloso.

Uma maneira legítima de se conseguir realismo em um videogame, diria eu. Além dos segredos básicos que são descobertos através das habilidades de Samus (após adquirir o óculos de raio-x, você fica tentado a scanear cada cantinho que passou antes), o jogo oferece alguns “achievements” escondidos.

Foi num destes desafios ocultos que passei um dos melhores momentos no Super Metroid, por sinal: o X-Ray Scope está num local onde é necessário usar o gancho (Grappling Beam) que minha Samus ainda não dispunha; o piso é feito de farpas, impedindo andar por muito tempo sem morrer – só à la Tarzan, uma vez que o bloquinho com o símbolo que corresponde ao gancho estava lá sinalizando “você precisará do gancho para passar por aqui”.

Como já havia obtido o Ice Beam – que congela qualquer inimigo por um certo tempo, permitindo usá-lo como plataforma – e haviam algumas criaturas voadoras vagando por ali… depois de muitas e muitas tentativas, foi possível congelar uma delas num ponto do seu vôo em que era possível alcançar com um pulo simples; de lá, aguardei uns poucos segundos até uma segunda criatura surgir, congelei-a e pulei em cima… até conseguir chegar na porta que levava à sala do item, o óculos de raio-x.

Voltei pelo solo, perdendo energia até sair do trecho com as farpas no chão… mas vivo, ainda que com o alarme da Samus soando. Isso compensa.

Os gráficos de Super Metroid são minimalistas na medida certa e, realmente, pega emprestado do clima de Alien.

O visual do primeiro filme, de 1979, foi concebido por um cara chamado H.R. Giger. Ele é um artista plástico suíço, genial, responsável por todo o visual do Alien (não só da criatura), considerado o “pai da estética biomecânica” – onde mistura características orgânicas e mecânicas no mesmo design.

O filme Alien contém sua obra mais conhecida (inclusive ganhou Oscar de efeitos visuais, atribuído ao Giger) e nele você observa como seu visual sombrio é absolutamente sem precedentes. Metroid, lançado no mesmo ano em que a explosiva e igualmente fantástica continuação saía nos cinemas (“Aliens”, em 1986), bebeu desta fonte sob diversos aspectos.

A protagonista mulher, Samus, que inclusive fica com pouca roupa no final – exatamente como a tenente Ripley no primeiro Alien; o guardião da Mother Brain, “Ridley” – mesmo nome do diretor Ridley Scott, do primeiro filme.

Forçando um pouco a barra, “Mother” é o nome do computador principal da nave Nostromo do mesmo filme… voltando para algo mais palpável, a mistura de orgânico com mecânico em alguns cenários é evidente, como em certos trechos de Norfair.

O mais legal é que foram inspirações e citações soltas, nada mais – Metroid constrói sua própria história com bastante personalidade (principalmente em Metroid Prime, com Samus a todo instante obtendo informações textuais nos computadores).

A trilha sonora é aclamadíssima, composta por Kenji Yamamoto, com a colaboração da Minako Hamano. Acredito que seu grande feito foi ter conseguido casar divinamente com o clima dos cenários. As músicas, isoladas, não são brilhantes – não apresentam grandes arranjos e nem são muito variadas, por exemplo – mas faz todo sentido no jogo, são músicas sugestivas.

Elas trazem o “tom Nintendo” ao Super Metroid: são sombrias como a atmosfera pede, mas não muito. O tema do trecho avermelhado de Brinstar lembrou músicas do Amiga, do Shadow of the Beast…

Enfim, toda a trilha aos poucos vai te conquistando e se torna inesquecível – tanto que o mesmo compositor foi convidado para o Metroid Prime, onde atualizou certos temas, dando um senso de continuidade às músicas. Para mim, que joguei primeiro a nova trilogia, quando escutei o tema das sessões das ruínas antigas de Norfair no SNES – que também toca no Prime – foi uma nostalgia ao contrário.

Assim como encontrar pela primeira vez os vaga-lumes e saber de antemão que não deveria matá-los…

Enfim, o terceiro jogo da franquia Metroid figura quase sempre nas listas de melhores de todos os tempos mundo afora.

E não há muito o que discutir: com um dos melhores controles que você já teve em suas mãos – Samus tem tanta graciosidade que você só imagina uma mulher por trás daquela armadura; um mapa com segredos engenhosos saindo pelo ladrão, itens relevantes que se conectam ao cenário como poucas vezes se vê… dificuldade equilibrada…

E a cereja do bolo, para os casos onde um fã do cineasta Ridley Scott está com o joystick do SNES nas mãos: atmosfera e estética inspiradas no filme Alien. É videogame no estado-da-arte.

Ah, a música principal de Brinstar…

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* Em tempo: o comentário sobre Mass Effect 3 não tem intenção sexista; simplesmente acho que este tipo de informação *prévia* sobre um JOGO DE VIDEOGAME nunca deveria ser considerada relevante, nem deveria despertar interesse num jogador – jogo eletrônico não se trata disso. Aliás, *jogos* não se tratam disso, na minha humilde opinião – ou pelo menos não deveriam. Publishers: se não tiverem o que falar, pelo menos anunciem que os gráficos serão incríveis, ou algo do gênero, que já tá de bom tamanho :)

Limbo (X360)

Limbo é um daqueles jogos eletrônicos que não tenta ser; que não se esforça para transmitir emoções; que não apela para a tecnologia inerente à mídia videogame. Sua atmosfera se apresenta como uma força inteiramente subjetiva, vivida na mente do jogador. É quase como Adventure do Atari, onde você controla um quadrado em busca de uma outra forma geométrica guardada num castelo. Praticamente sem sons e música, a aventura se torna épica em nossas mãos. Que não soe lugar comum dizer isso: Limbo estimula nossa imaginação, principalmente pelo simples fato de ser visto na penumbra. Joguei-o por inteiro esperando por um momento similar ao do filme A Lista de Schindler, que é preto e branco mas mostra rapidamente uma garotinha em seu casaco vermelho exibido com sua cor; porém, não há um único pixel que não seja nos tons de cinza em Limbo.

O clima maravilhoso atingido pela Playdead Studios por si só vale o ingresso do espetáculo. Limbo é um plataforma com puzzle de curta duração e nenhum fator artificial de replay. Sua mecânica de gameplay é o grande acerto da desenvolvedora neste game: escondido atrás do minimalismo, está uma física que participa de verdade dos ótimos puzzles que o ambiente irá propor. Para resolvê-los, contamos apenas com um botão de pulo e outro de ação.

O jogo inicia-se com o garotinho caído no chão; ele acorda no meio de uma floresta e sai a procura de sua irmã. Sabe-se disso porque a tagline era “incerto do destino da sua irmã, um garoto entra no Limbo”. O senso de mistério intencional, que se estende desde a divulgação até o final da sua jogada é apenas uma distração. Não perca tempo procurando sentido em nada disso – no significado do limbo, se o garoto está morto ou não, quem são os outros garotos que ocasionalmente surgem querendo te matar: o objetivo claro de Limbo é fazer você transpor puzzle após puzzle até o final, através de tentativa e erro – ou melhor, “tentativa e morte” como diz o diretor do game. Tudo isso sem “obstáculos visuais ou sonoros”. Quase que como uma partida de xadrez que se dá num tabuleiro bizarro.

Dispensando tutorial, sua mecânica se apresenta de cara: você sobe num barquinho e atravessa um pequeno lago; logo após, uma barreira alta demais impede o pulo. Volta no barquinho, que tem uma cordinha na frente, botão de ação e puxa-o até a barreira para subir. Em seguida, o jogo anuncia o por quê de ser “trial and death”. São apresentadas duas armadilhas justapostas no chão. Você tenta pular e descobre ali a distância máxima do seu salto, ao presenciar seu corpo arrancado da cabeça (ah, sim, suas mortes costumam ser bem violentas. De qualquer maneira, morrer no limbo, que diferença faz?). Volta o checkpoint – que inclusive são bem generosos, assegurando que o “tentativa e morte” não se transforme em incoveniência. Você não é Homer Simpson, então vai tentar outra coisa – mover uma das armadilhas criando espaço para pular é a saída. Depois dos básicos, o jogador será convidado a combinar – é quando Limbo começa a brilhar. Mais a frente temos uns bichinhos no teto que não perdoam sua passagem; leve aquela armadilha que você acabou de pular e descobriu que pode arrastar, coloque logo embaixo dele e caminho livre. Ciladas inteligentes que fazem uso da física como um barril que supostamente te ajuda a atravessar um lago, mas você nunca consegue ficar em cima dele por muito tempo. Depois de várias mortes, você desiste e volta (é possível voltar a maior parte do tempo) e descobre um cipó que havia ignorado por estar alto demais; traz o barril, que seria o óbvio elemento que ajudaria a atravessar o lago, e sobe pelas árvores. Em especial, os puzzles que envolvem mudanças súbitas de gravidade lhe deixariam louco se os checkpoints não equilibrassem a dificuldade.

Ocasionalmente surgem crianças mortas pelas armadilhas, e todas as que estão vivas parecem estar na mesma situação, mas inexplicavelmente tentam te matar. É… como se não bastasse a atmosfera de solidão, os pouquíssimos como você neste lugar estão de complô. É mais um recado do desenvolvedor de que sua preocupação deve ser em lidar com os puzzles, somente com eles se preocupar, diria Yoda.

Há um cuidado fabuloso com os efeitos sonoros, trazem uma sensação orgânica ao misterioso lugar. Sem sustos, sem ruídos altos, deixam você relaxado no controle do garotinho. A música é ambient, desfigurada, praticamente nem tem progressão de acordes – ou seja, sustenta um mesmo sentimento todo o tempo. Lembra em alguns momentos passagens da trilha do excelente Mirror’s Edge.

E é nessa honestidade que Limbo segue, com sua dificuldade subindo surpreendentemente perto do final criando o verdadeiro grand finale ainda durante o gameplay, exigindo realmente habilidade e timing perfeitos que agradará qualquer hardcore. O fim noir remete à obras áudio-visuais como Inception ou Blade Runner. Alguns o criticam por ser abrupto demais, mas eu fico preso a idéia de que depois do último puzzle não há mais nada para se ver. É como o E.T. – O Extraterrestre: pessoas fizeram vigília em frente à casa de Steven Spielberg suplicando para que ele produzisse uma continuação e o diretor não parava de repetir que seu filme tinha início, meio e fim, que sua mensagem já estava dada. Limbo é isso: são 5 horas de puro gameplay. Não costumo e até reprovo julgamentos que concluem que um determinado jogo não vale o preço porque é curto, ou porque não tem fator replay. Procuro me colocar nos pés de quem desenvolve e me deixaria muito desanimado pensar que eles se preocupam em moldar seus jogos buscando estes elementos superficiais. Limbo prova que esta idéia não é utópica.

Um game que me lembrou a magia de jogar Out Of This World pela primeira vez, outro jogo com ares de autoral. Limbo vale cada centavo e merecidamente deve se tornar cult como ocorreu com o game do Eric Chahi. Eu pagaria o preço de qualquer medalhão como Halo ou Final Fantasy para poder jogá-lo – especificamente uma única partida, que lembrarei para sempre. Este jogo mostra o lado bom dos independentes terem canais para divulgar e distribuir seus jogos – ou então ficaríamos privados deste fino exemplar do entretenimento. E não afirmo isso só porque ele é em preto e branco.

SCORE

GAMEPLAY: Simples mas com profundidade, temos que aplaudir quando isso é feito tão bem assim 5/5
GRÁFICOS:
Propositalmente artísticos, nem dá pra julgá-los superficialmente 4/5
SOM:
O encaixe perfeito, merece ser jogado com volume alto para ouvir pouco 5/5
TRILHA SONORA:
Praticamente inexistente, o compositor ficou num porto seguro que funcionou 3/5
DIFICULDADE:
O final reserva boas surpresas neste aspecto, mas o checkpoint equilibra 4/5

DADOS

NOME: Limbo
PLATAFORMA: Xbox 360
DISPONÍVEL EM: Xbox Live Arcade
DESENVOLVEDORA: Playdead Studios
DISTRIBUIDORA: Microsoft Game Studios
ANO: 2010

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Trine (PC)

Side-scroller com PhysX.

Por Eric Fraga

Se você possuir um PC que suporte jogos modernos e for um retrogamer, só resta acreditar em mim: jogar um side-scroller no esquema WASD (teclado) e mouse será inesperadamente gratificante e, misteriosamente, você não desejará ter aquele gamepad nas mãos quando experimentar Trine em seu computador.

Por outro lado, talvez não consiga prestar atenção nos controles pois estará ainda atônito ao ver os gráficos mais belos de um side-scroller. No primeiro puzzle de cenário, sentirá satisfação ao perceber que aquela garrafinha de life numa plataforma inalcançável, pode ser sua de várias maneiras, sem dar um pulinho, só usando a física do jogo — ou no caso da versão para PC (também está disponível em PS3), PhisX da nVidia.

Trine é assim: bem moderninho, mas o gameplay é basicamente o bom e velho side-scroller com uma pitada de beat’em up.

Depois da incrível primeira impressão, o jogador que experimentar a campanha single-player descobre que possui o controle de três personagens (até lembrou Psycho Fox…): uma ladra, um mago e um cavaleiro. Cada um com suas habilidades distintas, como era de se esperar. A troca entre eles é imediata: as teclas típicas de seleção de armas em FPSes — os números — trocam de personagem.

A ladra, talvez o personagem mais versátil, tem como arma um arco-e-flecha,  possui um gancho “ninja” que a transporta pelo cenário, além dela ser a mais rápida e melhor nos saltos. O mago é lerdo, mas sua mágica pode conjurar algumas formas geométricas que funcionam como pontes e elevações, além de poder movimentar objetos do cenário. Por fim, o cavaleiro é gordo mas sua arma melee (ataque de perto) é a melhor.  Junte a este caldo algumas evoluções de armas, nas magias do mago e no gancho da ladra e temos o formato do gameplay de Trine.

O gameplay com o teclado e mouse ficaram ótimos: o “super-analógico” mouse permite rapidez e precisão nos controles do gancho e da mira do arco da ladra. O jogo fica com uma fluidez sem precedentes, em se tratando de um side scroller. Foi uma surpresa: logo que pensei em jogar Trine, seria o típico jogo em que o joystick do Xbox entraria em ação no PC.

Ele até funciona bem, mas que nada — pensei: se o jogo não for tão bom, pelo menos a maneira de experimentar um side-scroller AAA será diferente (há muitos side-scrollers independentes por aí no PC, como sabemos; mas Trine está longe de ser indie, por conta do valor de produção).

A desenvolvedora finlandesa Frozenbyte criou bons puzzles, mas com um grau de dificuldade apenas mediano: você os resolve sempre em poucos minutos, por conta da diversidade de soluções possíveis. Seus 3 personagens são muito poderosos juntos, essa é a verdade.

Por exemplo, os pulos mais difíceis, em plataformas “fininhas”, são resolvidos por uma ponte que pode ser criada pelo mago. Trine não é desafiador, mas tem seus momentos intrigantes. A música do jogo é apenas… de acordo com a ambiência. Mas não é marcante. Quero gostar dela, mas não consigo. Pelo menos cumpre seu papel deixando o jogador preocupado mesmo com os puzzles.

As lutas com os esqueletos (é o único inimigo do jogo, além um ou dois chefes) são pouco inspiradas, nada perto de um Prince Of Persia 2D. E, de novo, o poder dos personagens as tornam fáceis. O jogo não é curto — são 15 capítulos — mas passa rápido justamente por conta de não ser tão difícil. Curiosamente, Trine conta com um belo desafio no final que compensa um pouco o grau de dificuldade mais ameno.

Não joguei-o cooperativamente, mas tem tudo pra ser uma ótima experiência. Imagino que, se for no mesmo cenário, ficará até fácil demais… porque, em single player, você nunca pode ter as habilidades de mais de um personagem ao mesmo tempo.

Os completistas irão se divertir com os diversos troféus escondidos. Se for  fã do gênero “básico” dos videogames, não há como não gostar de Trine. Não é o melhor side-scroller que você já experimentou, mas é o mais bonito; não tem o desafio de um Castlevania, porém o jogo te dá autonomia de resolver os puzzles por mais de uma maneira.

O melhor dele é justamente a presença de muitos enigmas espalhados pelo cenário: o combate está presente porque “tinha de estar”, mas claramente não foi dada muita atenção a este aspecto. Se você for um retrogamer, é uma experiência curiosa jogar um título tão avançado tecnicamente e com a jogabilidade 2D de outrora. Dá pra imaginar como seria, não um remake, mas um jogo clássico da era 8 bits se fosse concebido na época atual, com o hardware de hoje.

SCORE

GAMEPLAY: Surpreendemente ótimo no teclado e mouse, puzzles de cenário o tempo todo 4/5
GRÁFICOS: Ainda quero ver um side-scroller mais bonito e detalhado 5/5
SOM: Suficientes, nada especial 3/5
TRILHA SONORA: O jogo dá espaço para uma trilha marcante, é inspirador mas pelo jeito não funcionou para o compositor 2/5
DIFICULDADE: Mediana, sobe bastante no final 3/5

DADOS

NOME: Trine
PLATAFORMA: PC e PlayStation 3 (PSN)
DISPONÍVEL EM: DVD, Steam e PSN
ANO: 2009
DESENVOLVEDORA: Frozenbyte
DISTRIBUIDORA: Nobilis

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A Reinvenção dos Platformers

A Reinvenção dos Platformers

Por Danilo Viana

O gênero plataforma é um dos mais conhecidos e amados entre retrogamers e foi moda nos anos 80 e 90. Desde a criação de Super Mario Bros. por Miyamoto, centenas destes jogos invadiram nossas casas. Alguns “meia boca”; mas muitos de excelente qualidade.

E não havia como ser diferente com uma premissa tão simples: ir do ponto A ao ponto B evitando inimigos, perigos e, principalmente, saltando uma interminável sequência de plataformas. Este objetivo era normalmente suficiente para garantir no mínimo um jogo agradável que nos fazia perder horas divertidíssimas à frente da TV e, no máximo, uma pérola encontrada no fundo do mar dos melhores jogos.O gênero plataforma evoluiu?

Mas, com o passar dos anos, o gênero sofreu uma mutação curiosa – ele não virou zumbi nem perdeu força mas, ao invés disso, transformou-se em algo diferente que garantiu a sua continuidade. Porém, de certa forma, o fez perder a identidade original. Estou falando dos novos jogos de plataforma como Prince of Persia pós Sands of Time e Devil May Cry (quem não acha que o segundo é um jogo de plataforma jogue DMC 3), jogos que são essencialmente platformers – já que envolvem saltos entre plataformas – mas em quase nada lembram os jogos que fundamentaram o gênero.

Esta mudança no gênero gerou um efeito colateral que considero interessante: a volta do antigo estilo em jogos que visam resgatar o gênero as origens e ao mesmo tempo lhe dar uma nova roupagem, a exemplo de New Super Mario Bros. e Sonic 4.

Mas entre estas duas entidades – os old platformers e os new platformers – nasceu o motivo deste post. A era atual de jogos comercializados online e a facilidade de divulgação pela web, fizeram aflorar desenvolvedores que podem ser considerados no mínimo geniais. Eles conseguiram reinventar o gênero, de verdade.

Não acreditam? Então talvez não tenham ouvido falar de Braid. Braid é um jogo criado em 2008 por Jonathan Blow – e não, ele não é o produtor, ele fez o jogo todo sozinho. E o que esse jogo tem de interessante? – você se pergunta. Simples: ele é um dos jogos de plataforma mais geniais já criados.

A premissa de Braid é simples: você deve ir do ponto A ao ponto B, evitando inimigos e saltando entre plataformas. Mas seu estúpido, isso é Super Mario com gráficos melhores, que porcaria de inovação é essa? Calma, eu só falei a premissa, não falei nada sobre o gameplay. Em Braid você pode voltar no tempo.

Agora me chateei… ISSO É CHUPADO DE SANDS OF TIME, amigão. Será mesmo? infelizmente você terá que jogar para desfazer essa impressão, mas vou tentar passar em minhas palavras o que torna esse jogo fantástico.

Primeiro, você pode voltar o tempo – quantas vezes quiser e por quanto tempo desejar. Na prática isso significa que você não morre, pois qualquer morte pode ser desfeita. O problema é que chegar ao fim da fase (o que pode ser feito muito facilmente já que você não morre) não lhe garante a solução dos puzzles nem a coleta de peças de quebra-cabeça que são necessárias para avançar no jogo.

Segundo, a volta no tempo está ligada diretamente a solução dos puzzles que mencionei. Diferente de Sands of Time onde a volta no tempo só permite desfazer uma besteira, aqui você usa a volta para resolver puzzles. Isso acontece através de objetos ou eventos em cada fase que afetam seu poder de voltar no tempo. Por exemplo, em determinada fase, objetos envoltos numa aura verde são imunes a volta no tempo – o que significa que eles continuam seu curso normal enquanto você está no passado; em outro momento do jogo, andar para a direita avança o tempo normalmente, mas andar pra esquerda automaticamente volta o tempo, mesmo que você não use seu poder. Estes elementos são difíceis de explicar, então vou lhes mostrar um vídeo. MAJOR SPOILER, esse vídeo contém a solução do mundo 3, então não veja se você pretende jogar este jogo, ou pelo menos veja o mínimo possível pra entender do que se trata.

Terceiro e por último, o jogo faz uma homenagem descarada aos jogos de plataforma do passado. Sei que isso não tem nada a ver com jogabilidade, mas é muito engraçado ver as referências óbvias e o jogo quase vale a pena ser jogado só por esse elemento. Feito para retrogamers.

É impressionante ver que um jogo tão genial foi obra de um único programador, com ajuda somente para arte e música. O desenvolvimento completo custou cerca de US$ 200.000 e levou três anos – uma verdadeira pechincha se comparado aos jogos típicos de hoje. O dinheiro foi usado basicamente para pagar o artista e os músicos – e para ele viver enquanto criava o jogo. Quem tiver a oportunidade de desfrutá-lo também verá que boa parte dos elementos de gameplay são tapas na cara dos designers atuais de jogos – dando verdadeiras aulas de como um jogo deve ser desenhado.

Outro jogo que me chamou atenção é mais recente, lançado em fevereiro de 2010. Trata-se de The Misadventures of P.B. Winterbottom. Este não é considerado tão inovador se comparado com Braid, já que herdo algumas características do mesmo, mas é igualmente genial se comparado a outros jogos de plataforma.

Começando pelo enredo – em P.B. Winterbottom, você é um baixinho narigudo que usa terno e chapéu e que tem como objetivo… roubar tortas. É isso mesmo, o senhor Winterbottom, astro do jogo, é um ladrão de tortas. Um belo dia ele encontrou uma “cronotorta”, uma torta que deu ao senhor Winterbottom poderes de controle no tempo (de novo?).

Em cada fase existe um determinado número de tortas e o jogador vence  pegando todas. Para conseguir isso, o jogador deve usar o poder de criar clones, poder adquirido no início do jogo quando Winterbottom come a cronotorta. Para criar um clone, o jogador deve executar qualquer ação que deseje enquanto pressiona o botão de gravação – ao soltar este botão um clone será criado e ficará repetindo a ação criada enquanto o botão estava pressionado.

Este parágrafo acima já é suficiente para mostrar como Winterbottom é genial – mas, como em Braid, este é um jogo que precisa ser jogado para que se entenda  como este elemento afeta o gameplay. Winterbottom pode criar clones simples cujo único objetivo é pisar em um botão no chão enquanto você passa por uma porta que se abre; ou pode criar um clone que dá cacetadas de guarda-chuva para que o jogador seja arremessado em uma plataforma muito distante para ser alcançada em um pulo – é possível até mesmo usar os clones de apoio, subindo neles para alcançar plataformas mais altas. Existem muitos outros elementos neste jogo e novamente eu apresento um vídeo que dá um pequeno gostinho do que eu estou falando, obviamente estejam avisados de spoilers.

The Misadventures… foi criado por Matt Korba mas, diferente de Braid, aqui ele teve financiamento de uma companhia para desenvolvê-lo. Mesmo assim o jogo teve origem em um projeto escolar, evoluiu para um projeto em flash até que chamou a atenção da 2K Games que deciciu publicá-lo. Então, foi fundada a The Odd Gentlemen, que ficou responsável pelo desenvolvimento. Korba não tinha devaneios sobre revolucionar a indústria nem nada tão grandioso; ele conta que muitos elementos do jogo como, por exemplo, os gráficos estilizados, são do jeito que são meramente por praticidade. “Eu não sou muito bom em desenhar marines espaciais nem robôs”, diz.

Estes dois jogos mostram como os platformers podem se reinventar completamente – e  ainda sim reter os valores que o consagraram como gênero favorito de muitos gamers. E que venham mais como estes – nós  jogadores só temos a ganhar.

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