Zanac (MSX)

Por Euler Vicente

Você tem um jogo favorito? Eu tenho: Zanac. Simples assim.

Zanac é o jogo que mais joguei no MSX. Ele me salvava do tédio nas tardes de minha infância no interior da Bahia. De passatempo à motivo de minhas primeiras notas vermelhas, o clássico schmup da Compile representa o ponto de minha vida em que deixei de ser “casual” e me tornei um jogador “hardcore”. Zanac imprimiu minha carterinha de Nerd e provavelmente me levou à profissão de Analista de Sistemas.

Sim, passei a sonhar trabalhando com desenvolvimento de jogos por causa deste bendito game. Infelizmente, a carreira de programador de jogos não me pareceu muito promissora aqui nas terras tupiniquins e fui para a área de banco de dados, mas isso é uma outra estória.

De qualquer forma, compensava minhas frustrações profissionais programando jogos como hobby e adivinhe que jogo mais me inspirava? Eric e Danilo devem ter visto muito de Zanac em Torion… (“nota do editor” Eric Fraga: aguardem conhecer Torion por aqui, breve).


Um pouco sobre o jogo

Lançado em 1986 pela Pony/Compile, Zanac reúne o que todo bom shooter vertical devia ter. Gráficos lindos para a época, trilha e efeitos sonoros excelentes, jogabilidade viciante e muitos, mas muitos inimigos na tela mesmo. É o tipo de jogo que quando seus amigos te viam jogar, e diziam: “cara, como você consegue se desviar de tantos tiros?!” Era o mundo antes do bullet hell, amigos :-)

Os elementos básicos de um shooter vertical: scroll parallax (de um nível apenas), upgrade de armas, inimigos surgindo em padrões definidos e atirar em tudo que se mexer. Não parece ser nada fora do convencional, mesmo para a época (já tínhamos visto isso em Xevious), mas o que difere Zanac de 99% dos outros shooters, é a qualidade de como tudo isso foi realizado. A jogabilidade é perfeita e difícil de ser superada até hoje: é um daqueles títulos que você precisa jogar um pouquinho para perceber a relevância do que digo.

Inteligência Artificial?

Em Zanac controlamos uma nave durante oito fases. Ela é equipada com tiros normais e armas extras, que são obtidos ao destruirmos determinados inimigos durante a partida. Reza a lenda que o jogo tem um sistema de inteligência artificial que adapta os padrões de ataque inimigos às armas que estamos usando e ao tempo que passamos sem morrer, tornando o jogo mais fácil ou difícil. Daí o “A.I.” que existe logo abaixo do título do game exibido na abertura. Na época, não fazia idéia do significado do acrônimo – somente anos mais tarde, graças ao nosso querido oráculo moderno (a.k.a. Google). Apesar dos vários relatos, nunca consegui notar essa tal inteligência artificial do jogo. Talvez seja porque eu tendia a jogar sempre com a mesma combinação de armas: três tiros normais + arma especial número quatro (as esferas girando ao redor da nave). Esta combinação de armas apareceu novamente anos depois num certo jogo indie baiano :-)

Criatividade supera as limitações de hardware

Apesar de estar à frente da concorrência na época, o Z80 (microprocessador do MSX) tinha sérias limitações. Imaginem que os jogos eram limitados à capacidade da memória RAM da máquina de apenas 64KB. A codificação, sons, música, imagens – tudo junto – não poderia ultrapassar este valor. A ROM de Zanac era de apenas 32KB. Os programadores desta época eram os verdadeiros escovadores de bits :-)

Tentarei explicar a mágica que eles faziam:

  • Os programadores codificavam em Assembly. Esta provavelmente é a maneira de programar mais próxima da linguagem de máquina. Muito complicada mesmo, mas poderosa e útil para tornar o código enxuto. Hoje em dia, com poder de processamento sobrando, ninguém mais quer saber de Assembly: vai todo mundo de C mesmo – é mais fácil.

  • Os cenários são repetitivos? Tem um motivo: o que se fazia (e ainda se faz) é uma técnica chamada Tile Mapping. A idéia aqui é ter um arquivo gráfico chamado TileSet, divididos em pequenos blocos chamados Tiles. Usam-se estes Tiles para montar, um a um, um grande mapa gráfico do jogo. É como se reaproveitassem pequenas imagens para montar uma maior. Este “grande mapa” não existe fisicamente. É apenas uma espécie de array (área de memória com 2 dimensões) em que cada célula do array apontasse para um determinados Tile. O designer do jogo é que tem a trabalheira de montar o mapa como se fosse um quebra-cabeça. Cada célula do mapa aponta para um Tile e o designer segue segue fazendo isso até que o mapa esteja completo. Deu pra perceber o quão  trabalhoso era?

  • Muito interessante também são os bosses. Notem que, basicamente, só haviam 2 sprites para os chefes (olho pequeno e olho grande). A sacada deles foi montar novos bosses combinando variações do mesmo sprite básico. Assim, a medida em que evoluímos no jogo, chefões “diferentes” surgiam – ainda que fossem o mesmo sprite. A partir deste princípio, apareciam combinações muito loucas. A complexidade estrutural dos bosses aumentava e os chefões se tornavam incríveis!

  • Outra solução interessante dos programadores foi à respeito de como exibir aquela quantidade enorme de inimigos na tela. A arquitetura do MSX limitava o suporte a apenas 32 sprites simultâneos; mas, em diversos momentos, muito mais de 32 objetos são vistos na tela! A técnica consistia em alternar rapidamente os frames dos sprites de Zanac. É importante ressaltar que,  se alternarmos imagens estáticas numa velocidade maior que 30 vezes por segundo, nosso cérebro mentalizará uma única imagem. Jogo é como filme (pelo menos neste aspecto…): cada frame é um quadro que é rapidamente sequenciado, criando a noção de continuidade e movimento. Em cada frame o programador colocava um grupo de objetos diferente. Quando o cérebro recebe o estímulo visual, ele junta tudo e terminamos com a ilusão de que existem 200 inimigos na tela, ou 4 fantasmas – no caso de Pac-Man do Atari :-) Fazendo uma continha, é possível exibir 960 objetos simltâneos (32 sprites x 30 frames). E mesmo assim percebemos frame drop em momentos do jogo, devido ao enorme processamento associado.  Quem reclamava dos slowdowns de Zanac, deveria saber a ginástica necessário para conseguir aquele resultado…

Curiosidades

– Foram lançadas 2 continuações de Zanac para o MSX 1 – nenhuma delas à altura do  original. No MSX 2, foi produzido o Zanac Ex, que é realmente muito bom, porém mais fácil que o original.

– No PlayStation 1, o Japão recebeu Zanac X Zanac. Neste, podemos optar em jogar ou o Zanac original (mas a versão do NES) ou o Zanac Neo, que é uma versão que usa recursos bem mais avançados que o original. Zanac Neo é realmente muito bom, vale a pena o fã de Zanac original conhecê-lo.

– Aleste é considerado o sucessor espiritual de Zanac. Surgiu no MSX 2 e faz jus a tradição. Houveram ports para consoles e o 16 bit da SEGA ganhou uma versão excelente deste jogo. O Eric, fã do Mega Drive, deve conhecê-lo como M.U.S.H.A :-)

Considerações finais

Deu pra perceber que gosto mesmo desse jogo, não é? Uma pessoa que chega ao ponto de estudar para fazer um jogo igual é porque deve ser fã mesmo. É como se alguém que adorasse Matrix fosse estudar cinema para um dia fazer um filme parecido.

E eu tive o prazer de jogá-lo diretamente no maravilhoso teclado do Expert. Um jogo de nave praticamente perfeito, num teclado que parece que foi concebido para esse fim. A sensação de jogar num emulador no PC não é a mesma, tenham certeza disso. Mas não deixem de experimentar Zanac.

SCORE

GAMEPLAY: Pena que a escala é limitada em 5 5/5
GRÁFICOS: Não me lembro de um shooter de MSX 1 mais bonito que esse. Os cenários são repetitivos? Já expliquei o por quê. Dá um tempo, tá? 5/5
SOM: Sons muito competentes. Algumas armas tem um sonzinho chato. 4/5
TRILHA SONORA: A música da abertura ecoa na minha cabeça até hoje. Eric, vai rolar um remix, né? 5/5
DIFICULDADE: Na medida certa. Nem é fácil demais nem tão difícil assim. O lance da A.I. é brilhante para um jogo de 1986! 4/5

DADOS

NOME: Zanac
PLATAFORMA(S): MSX, NES, PS1 e Virtual Console (Wii)
DISPONÍVEL EM: Cartucho/K7 no MSX, PC via emuladores e Wii via emulação
ANO: 1986
DESENVOLVEDORA: Compile
DISTRIBUIDORA: Pony

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Ikaruga (X360)

Shoot’em up que testa sua ganância.

Por Eric Fraga

Jogos de nave, lá no fundo, representam meu gênero favorito (“oficialmente” digo que são os RPGs). Talvez por tudo ter começado com Defender no Atari 2600, jogar um shoot’em up traz o máximo de nostalgia no que se refere ao ato de segurar um joystick.

Ikaruga é um shoot’em up japonês com scroll vertical lançado em 2001 pela Treasure, continuação espiritual de Radiant Silvergun e original para arcades. Foi portado para o Dreamcast em 2002, Gamecube em 2003 e, finalmente, em 2008 ganhou a versão para Xbox Live Arcade. Não estou certo, mas acredito que o port mais conhecido seria o do Dreamcast, talvez porque o jogo original foi desenvolvido para a placa SEGA NAOMI (mesmo hardware do Dreamcast) nos arcades e também por ter sido lançado no Japão após a morte oficial do querido último console da SEGA.

Para quem não conhece, o gameplay deste jogo é divisor de águas para o gênero – que curiosamente nunca morreu mas infelizmente após o final da década de 90 teve poucos lançamentos e está fora dos holofotes. A idéia é genial e simples: sua nave possui duas polaridades: uma branca e outra preta. Você alterna entre elas pressionando um botão. Quando “Ikaruga” ou “Ginkei” (o nome das duas naves controláveis pelo jogador) está branca, não é atingida pelos tiros brancos e a potência do seu tiro branco num alvo preto é dobrada. Claro, tudo se inverte quando se polariza a nave. Também, quando sua nave é atingida por um tiro da mesma polaridade, ela absorve a carga para um supertiro teleguiado que pode ser disparado quando desejar. Quando você destrói um alvo da mesma cor de sua polaridade, ele despeja sua carga na direção de sua nave e você deve tentar pegar o máximo possível. Quando o alvo é da polaridade inversa, ele simplesmente não despeja nada. No topo disso tudo, tem a “chain”: destruir 3 alvos da mesma cor de cada vez, sem perder a sequência, te dá muitos, muitos pontos. E pontos neste jogo, no modo original, é importante até pra finalizá-lo pois só se ganha a primeira vida extra com 3 milhões de pontos.

Joguei-o inicialmente no console da SEGA em 2006. Recentemente, adquiri a versão para Xbox 360, disponível na Xbox Live Arcade. A motivação inicial desta compra foi puramente técnica: o jogo fica mais bonito na LCD por conta da conexão HDMI do X360. Pronto. Fora isso, é exatamente o mesmo jogo.

Clique para ver em alta resolução.

Então… me enganei. O jogo é outro. E o motivo é a rede da Microsoft.

Arcade, Dreamcast e Gamecube são “plataformas offline” – a pontuação do jogo é armazenada apenas no console/arcade onde se está jogando. A partir da geração 8-bits, a maioria dos gamers deixou de perseguir pontuação – o objetivo único era vencer o jogo, chegar ao final – poucos olhavam a pontuação que conseguiu. Durante a era Atari, até porque 99% dos jogos não tinham final, o lance era “zerar” o jogo – ou seja, atingir um escore tão alto que o jogo revertia a contagem para zero e a pontuação recomeçava. A pontuação era o medidor mais importante da capacidade do jogador. Até hoje, aqui no Brasil pelo menos, muitos gamers ainda costumam se referir a um jogo terminado como “zerado” – a expressão ganhou novo significado e permaneceu. Meu irmão costumava anotar seus escores de River Raid, Enduro e Defender na própria embalagem do nosso videogame (!). Depois de um tempo, os escores foram para um caderninho.

Este “caderninho”, na Live, é o leaderboards. Fazendo uso deste recurso, você passa a se posicionar num escore global, de todos os jogadores que compraram Ikaruga. As pontuações são divididas de acordo com os modos de jogo (easy, normal, hard e outros) e com alguns filtros (escores globais, semanais, e dos amigos somente).

Aí é que entra a tal “ganância”: lembra da chain? Pois então, manter a tal sequência aumenta a dificuldade de diversos momentos do jogo que são relativamente fáceis quando não se preocupa em destruir os alvos mantendo a tal chain. Está lá você, feliz por ter chegado na terceira fase (são apenas 5) sem perder nenhuma vida, e com uma excelente pontuação; você se empolga por ter conseguido passar os 20% iniciais da fase mantendo uma chain perfeita. Então chega um momento daqueles difíceis, cheio de tiros e inimidos na tela; e aí? Vai parar ou vai continuar? Tento manter a chain e me arrisco horrores a perder uma preciosa vida ou faço a estratégia que me ajuda passar o momento sem morrer? Essa dúvida paira toda hora enquanto jogo Ikaruga – por causa do leaderboard online. No Dreamcast, eu nem tinha ligado pra isso, sequer sabia como funcionava a chain… queria chegar mais longe no jogo e, quem sabe, “zerá-lo”. Irônico: literalmente, aquele nem era o objetivo.

Pois só fui mesmo entender o quão profundo Ikaruga é, mais do que um “simples shoot’em up revolucionário”, agora que tento perseguir minha pontuação. São centenas de milhares de escores do modo original, dificuldade normal, no leaderboard da live. Estou em modestos dois milhões e alguma coisa, nem vida extra consegui ainda. O primeiro lugar neste modo atende pela gamertag “Sa Suisai”. Ele fez trinta e quatro milhões de pontos. Os 100 primeiros colocados nos escores podem deixar seus replays online para qualquer um ver a jogada completa do cara. Desconfio que Sa Suisai pode vir a ser 1) um replicante ou 2) um replicante sem vida social.

Alguns pro-players de Ikaruga original criticaram este port por ter alguns inimigos em colocações diferentes e por isso não consideram uma versão perfeita. Curiosamente, um dos primeiros colocados diz detestar o port. Mas, ainda assim, jogou o suficiente pra ser o primeiro, por um tempo. Aposto que ele checava todo dia, se ainda estava lá em primeiro na Live e nessa hora esquecia que tinha de odiar a versão para Xbox 360…

Graficamente, o jogo é simplesmente lindo. Aliás, tradição e parece que obrigação de todo jogo de nave: adoramos jogá-los e adoramos olhá-los. O lance da polaridade é a marca do jogo e está 100% presente em cada cenário, criando uma ambiência harmoniosa. Os inimigos e sua nave quando estão brancos são meio azulados e quando estão pretos são meio avermelhados. O framerate é travado em 60, o jogo transcorre com fluidez completa do início ao fim. Os bosses não são fantásticos como um R-Type Final da vida, mas o jogo preza pela estratégia – o design visual dos chefes foi certamente concebido amarrado ao gameplay. A música tema é muito bonita e durante as 5 fases aprecia-se variações deste tema, variações climáticas – como tipicamente acontece nas trilhas de filmes. Existem outros pequenos temas em cada fase, mas o tema principal ouvido no início da primeira fase sempre volta salpicado e com outras tonalidades. Enquanto isso já chega a ser comum em outros jogos atuais, não me lembro de ter visto nada assim em jogos de nave.

Enfim… obrigatório para todo fã do gênero e dos que gostam de desafios genuínos. Apresenta uma profundidade pouco vista em jogos de nave, sem falar na idéia inspirada de simplificar a interface com o jogo e agregar (muito) valor com a idéia da polaridade. Dá gosto olhar pra este jogo e ver o que a Treasure fez pelos jogadores hardcore. Pena que, como a Team Ico e seu Shadow Of The Colossus, a desenvolvedora costuma sumir por anos antes de lapidarem a próxima pérola.

Curiosidade 1: Como a versão para Dreamcast só foi lançada no Japão e com poucas cópias, ela tornou-se cara e escassa. Com o lançamento do jogo na Live, o valor da versão retail baixou consideravelmente. A de Gamecube mais ainda, chegando a custar apenas 30 dólares no eBay.

Curiosidade 2: No Dreamcast, era possível girar a imagem em 180 graus passando a ficar full screen em telas LCDs de 16:9 – deixando a imagem gigante. Na época, um amigo professor Pardal tinha até idealizado um dispositivo que faria o tilt no aparelho de TV automaticamente.

Curiosidade 3: Sim, eu jogava (às vezes…) deitado no sofá com a cabeça a 180 graus da TV só pra ver a imagem gigantona :-)

SCORE

GAMEPLAY: Estamos falando do mais fino tipo 5/5
GRÁFICOS: Lindo como todo shoot’em up deve ser 4/5
SOM: Efeitos sonoros cuidadosos e eficientes 3/5
TRILHA SONORA: O tema do jogo é belíssimo, define o clima e tem um toque cinematográfico. Composta pelo presidente da própria desenvolvedora 4/5
DIFICULDADE: O jogo é honesto e verdadeiramente desafiador 5/5

DADOS

NOME: Ikaruga
PLATAFORMA: Xbox 360
DISPONÍVEL EM: Xbox Live Arcade (800 MSP)
ANO: 2008

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