
Por Danilo Viana.
Desde o lançamento do Nintendo Wii, uma distinção entre os jogos surgiu. Na verdade, ela sempre esteve lá, mas ninguém nunca havia prestado atenção antes do primeiro console com controle de movimentos: falo da distinção entre jogos casuais ou hardcore.
Junto com esta diferença, surgiram os “lados”: pessoas que gostam de um estilo e não do outro, além de contundentes opiniões a respeito do assunto e um aproveitamento das grandes empresas de console do momento em suas campanhas de marketing. Mas, ao prestar atenção a estes termos – casual e hardcore – não paro de pensar que todo mundo entendeu errado o que eles realmente significam, inclusive Nintendo, Sony e Microsoft.
Penso que a forma como estas definições têm sido contextualizadas hoje, costumeiramente acabam não refletindo seu verdadeiro significado. Exemplos são fartos, revistas e sites classificam jogos como sendo casual ou hardcore baseados em conceitos não ligados ao tema, como o nível de violência, a qualidade gráfica ou o nível de perícia exigida para jogar. Decidi então falar um pouco sobre o assunto, mostrar minha opinião do que são “jogos casuais” e “jogos hardcore”; e a melhor forma de começar é tentando definir o que as palavras significam dentro do contexto dos videogames.
Um jogo é casual quando é possível jogá-lo dispondo-se de pouco tempo, esporadicamente e ainda assim obtendo uma experiência completa. Um jogo de baralho como UNO é casual, você pode terminar uma partida em 10 minutos ou menos e terá jogado uma partida completa do jogo.
Já um game hardcore exige dedicação e tempo por parte do jogador. Não é possível completar uma partida em poucos minutos e ter uma experiência completa. Acredito que o termo venha da expressão “jogador hardcore”, que é aquele cara (ou garota) que dedica com bastante frequência várias horas do seu dia ao videogame. Um exemplo é um jogo de RPG, que raramente pode ser terminado antes de se dedicar entre 20 e 30 horas.
Acredito que estas definições são bastante completas e fáceis de entender, mas há um problema – elas têm sido extrapoladas por quem as utiliza. Note que, da forma como defini os termos, não há qualquer menção ao nível técnico exigido para jogar, à quantidade de violência e muito menos aos gráficos do jogo – estes fatores nada têm a ver com as definições de casual e hardcore. Mesmo assim, vejo estas características sendo utilizadas todo o tempo para classificar jogos como se estivessem em um dos “lados”, trazendo um estereótipo equivocado na maioria das vezes.
Vejamos como exemplo o famoso Street Fighter 2. É possível terminar o jogo e enfrentar M. Bison em cerca de 15 minutos e uma partida multiplayer pode durar no máximo pouco mais de 3 minutos (cada partida dura 99 segundos). Ora, ele possui todas as características de um jogo casual. Quando apresento esta idéia a alguém costumo ser prontamente rechaçado com um “você é louco, um jogador casual não sabe jogar Street Fighter”. Bem, sinto muito por essas pessoas mas eu mesmo sou um jogador casual de Street Fighter. Tenho SF4 em casa, mas jogo muito de vez em quando, dedicando cerca de 30 minutos no máximo a ele, mas me considero um jogador muito bom. Vejam bem, a habilidade necessária para jogar Street Fighter nada tem a ver com ser casual ou não, um jogador casual pode ser o melhor jogador de todos os tempos, mesmo dedicando apenas alguns minutos àquele jogo.
Agora vejamos Mario Galaxy para Nintendo Wii: ele pode levar cerca de 10 horas para ser terminado, mais que isso se o jogador quiser pegar todas as estrelas. Uma partida rápida de 10 minutos raramente é suficiente para terminar uma fase, quanto mais o jogo inteiro, logo espera-se que o jogador dedique bastante tempo a ele. Parece um jogo bem hardcore para mim, mas apesar disso muitos jogadores ficam presos ao fato que Mario Galaxy é um jogo colorido, com pouca violência e feito pela Nintendo, característas que nada têm a ver com ser casual ou hardcore.
Acredito que a confusão aumentou quando surgiu o próprio Wii e seus jogos “casuais”. É fato, muitos jogos que usam o Wiimote são preparados para serem jogados em curtos espaços de tempo, tornando-os casuais. Além disso, a primeira leva de jogos também eram bem fáceis, principalmente o Wii Sports, por isso acredito ser esta a causa da confusão. Jogadores associaram casual com fácil e a própria Nintendo anuncia seus jogos como para a família, fáceis de pegar e jogar, ou seja, “casuais”.
A verdade é que acredito que a Nintendo falhou neste ponto – a característica que seus jogos têm não os torna casuais (na verdade não os torna “apenas” casuais), mas sim familiares. Jogos de Nintendo são “para a família”, o que significa que podem ser jogados pela família inteira, do vovô ao netinho. Normalmente um jogo para família é casual mas isso não é obrigatório – o jogo The Sims acredito ser um grande exemplo de um jogo familiar hardcore: ele é fácil de jogar e na verdade grandes fãs dele são não-gamers – mães, pais, etc. Mesmo assim, ele requer grande dedicação e tempo investido, o que o torna hardcore. Já pararam para pensar? Sua mãe pode ser uma jogadora hardcore.

Claro que um jogo casual ou hardcore pode ser usado de forma diferente. No caso de jogos casuais, certos títulos podem precisar de pouca dedicação para curtir em um nível básico, mas exigem anos de treino para jogar num nível profissional – são os fáceis de aprender e difíceis de dominar. Creio que o exemplo mais claro de tais jogos são os shoot’em ups, ou jogos de nave – nascidos na era arcade e feitos para serem jogados em pouco tempo, contudo apenas aquele jogador que dedicou horas (e fichas…) diárias ao treino de cada elemento de um shmup pode chegar aos níveis superiores, onde repousam os maiores scores e as façanhas dignas de lendas (como jogar Ikaruga controlando duas naves, uma em cada mão).
Jogos hardcore jogados de forma casual são mais raros mas existem, um bom exemplo são os FPS com modo online. O modo campanha requer certa dedicação, mas o modo multiplayer pode ser jogado em partidas rápidas de alguns minutos. Conheço várias pessoas que nunca terminaram o modo campanha desses jogos: foi comprar e entrar no modo multiplayer de cara.

A confusão está longe de terminar. Microsoft e Sony entraram no negócio de “jogos casuais” e haverá uma nova enxurrada de games familiares sendo chamados de casuais. Clones de títulos do Wii serão criados e reclassificados como “hardcore” apenas por terem gráficos fodões e serem difíceis, mesmo que na essência permitam partidas rápidas e descompromissadas. As empresas vão usar e abusar das palavras “casual” e “hardcore” em suas campanhas de marketing até ninguém se lembrar o que elas realmente significam.
Mesmo assim, espero que meu pequeno texto ajude a esclarecer um pouco a situação para algumas pessoas – e a remover parte do preconceito que jogos casuais sofrem atualmente. Não vamos desmerecer os jogos casuais, lembre-se que a era de 8 e 16 bit que nós amamos está recheada deles.
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