The Binding Of Isaac (PC)

Este post faz parte da série “Indie no Cosmic Effect”

Por Heider Carlos

O Team Meat já é um dos nomes mais importantes na indústria dos jogos indie. Super Meat Boy vendeu mais de meio milhão de cópias e foi aclamado pela crítica, com média de 90 no Metacritics. A dificuldade elevada e o estilo retrô casaram perfeitamente com a história absurda e um pouco perturbadora do pedaço de carne que busca salvar sua namorada sequestrada por  um feto malígno. Super Meat Boy tem meios de criar e compartilhar fases, então o anúncio de que uma sequência não seria produzida foi recebido sem muita surpresa. O Team Meat estava trabalhando em outro projeto, completamente diferente em termos de jogabilidade mas bem mais perturbador que o Super Meat Boy.

The Binding of Isaac é provavelmente um dos jogos mais polêmicos lançados ano passado. Se você é um cristão fervoroso recomendo ficar longe. É do tipo que daria um mês de matérias sobre como jogos transformam crianças em assassinos satânicos nos programas sensacionalistas que passam na TV. Se duvida é só assistir a abertura, apresentada no trailer a seguir.

O título The Binding of Isaac é uma referência óbvia a uma história bíblica. E eles usam e abusam da mitologia cristã. O jogo tem diversos itens controversos, como uma coroa de espinhos (com o nome de “sangue do mártir”), a bíblia, um terço, um bebê demônio e muitos outros. Sem falar nos itens nojentos como um pássaro morto, injeções, pílulas com diversos efeitos e por aí vai. Cada um deles muda a aparência do personagem quando utilizado, transformando a simpática criança em uma criatura repulsiva. O resultado é uma ambientação única, bem diferente de tudo que se encontra por aí.

Por trás de todo este clima feito para chocar, há um jogo muito bem feito. A visão por cima lembra jogos como The Legend of Zelda ou Ys e a jogabilidade os desconhecidos roguelikes. Roguelike é um gênero antigo e fascinante de jogos que surgiram antes mesmo de interfaces gráficas. Caracterizado por mortes definitivas, ambientes fechados, muita aleatoriedade e combate por turnos. O mais famoso é o Nethack. Exemplos mais modernos incluem Pokémon Mystery Dungeon e Izuna. The Binding of Isaac abraça o espírito dos roguelikes e abandona os combates por turno em prol dos combates em tempo real, mas sem deixar de lado a estratégia.

O jogo tem um ritmo rápido, que exige reflexos apurados e decorar padrões de ataque. Porém, sem exploração e muito cuidado no uso dos itens, não se vai muito longe. A sorte presta um papel importante, mas age muito mais como facilitadora que limitadora.

Toda fase (ou andar) apresenta alguns elementos em comum: há sempre uma sala onde é possível comprar itens (sempre trancada), outra com um item poderoso a espera do jogador (só na primeira fase está destrancada), uma sala secreta (precisa destruir uma parede para alcançá-la) e a sala do chefe. Algumas salas aparecem aleatoriamente: um cassino, sub-chefes, uma arena de combate e uma sala de pacto com o demônio. A disposição sempre muda, de modo que cada jogatina torna-se uma experiência diferente. Descobrir o melhor jeito de explorá-las é o segredo do jogo: dicas e truques devem ser considerados spoilers, já que a maior graça do jogo é aprender por tentativa e erro a tirar o máximo das oportunidades que The Binding of Isaac oferece.

Há bombas e chaves, encontradas com facilidade. Pílulas e cartas de tarot só podem ser utilizadas uma vez. Ao pressionar a barra de espaço, usa-se um item recarregável. Eles são recarregados ao matar todos os monstros de uma sala, e precisam de um número específico de cargas. Há os itens mais poderosos, que modificam o personagem automaticamente ao passar por eles. O personagem anda com WASD e atira com as setas, sendo que elas determinam a direção dos tiros. Parece complicado mas fica muito fácil e intuitivo com um pouco de prática. [Nota do Cosmonal: utilizando um joystick com dois analógicos, define-se o analógico da esquerda para o movimento e o da direita para os tiros deixando o controle similar aos Geometry Wars, Stardust — fica bem gostoso de controlar também]

Muitos itens são referências escrachadas ao mundo gamer. Um cogumelo vermelho que aumenta todos os status do personagem, ou a sala de um dos pecados capitais que parece bastante com o jogo mais famoso da Hudson Soft. Boa parte dos easter eggs de The Binding of Isaac fazem referência a jogos clássicos, mas há muita coisa relacionada a outros jogos indies também.

Em relação aos inimigos a variedade é grande. Há versões normais, vermelhas, verdes e podres de vários deles. São sete sub-chefes, cada um inspirado em um dos sete pecados capitais. E, quando você termina o jogo pela primeira vez, são desbloqueados chefes novos. Os chefes e sub-chefes também possuem variantes. Patches lançados costumam alterar a chance de certos monstros aparecerem, ou mesmo incluir novos monstros. Há também vários finais, segredos para serem coletados e personagens a serem desbloqueados.

Os gráficos são decentes e conseguem retratar muito bem a grande profundidade do jogo. Com um olhar rápido, um jogador mais experiente saberá quais poderes determinado personagem possui. Os itens e elementos da sala raramente escondem um ao outro. O estilo visual próprio se destaca em parceria com a ambientação — e o resultado é muito agradável.

Os efeitos sonoros são simples e bem feitos. Já a trilha sonora é excelente, e mescla-se aos momentos do jogo de maneira sublime. Consegue ser tensa e empolgante ao mesmo tempo. É vendida a parte, e vale muito a pena ser adquirida, mesmo fora do contexto do jogo.

É bom notar que The Binding of Isaac tem versões pra Mac, Linux e Windows. Um verdadeiro tapa na cara de grandes empresas que reclamam que os custos para portar jogos é proibitivo. No Windows e Mac é provável que a pessoa jogue pela Steam, e infelizmente o jogo não usa alguns recursos. O chat e as screenshots, por exemplo, estão desabilitados. A detecção de achievements falha algumas vezes. O jogo tem sua boa cota de bugs, o que seria inevitável. Mas nada que atrapalhe a jogatina ou impedem que ele seja concluído. Problema mais chatos são os lags, que acontecem quando uma sala tem muitos inimigos. Isso parece ser algum problema na engine mesmo, pois acontece mesmo em computadores bem mais potentes que o recomendado.

De modo geral, The Binding of Isaac é um dos melhores jogos indies de 2011. E ollha que isso não é pouca coisa, pois o ano que passou nos trouxe excelentes independentes. O que o torna tão especial é simples: o jogo é divertido e descompromissado. Perfeito pra se jogar uma partida antes de dormir, ou depois do almoço. E vai ficando melhor não porque ganhou níveis ou comprou um equipamento melhor: ele melhora porque o jogador melhora, e depois de um tempo aquele inimigo chato e difícil de derrotar fica mamão-com-açúcar. A aparência simples esconde um jogo complexo, viciante e que foge dos clichês em todos os aspectos. Um desafio muito gostoso de se encarar.

SCORE

GAMEPLAY: É o principal atrativo. Atualizaram um gênero antigo para uma nova geração de maneira eficiente 5/5
GRÁFICOS:
 Gráficos em 2D simples e bem-feitos. A ambientação é caprichada e criativa 4/5
SOM:
 Cumpre bem seu papel 3/5
TRILHA SONORA:
Sombria e empolgante 4/5
DIFICULDADE:
 Exige dedicação e habilidade para terminar o jogo, mas não é frustrante 5/5

DADOS

NOME: The Binding of Isaac
PLATAFORMA: Windows, Linux, Mac OS X
DISPONÍVEL EM: Steam, Humble Indie Bundle (esgotado)
DESENVOLVEDORES: Edmund McMillen e Florian Himsl
DISTRIBUIDORA: Valve Corporation
ANO: 2011

* * *

Todos os jogos da série “Indie no Cosmic Effect” (até este artigo)

Jamestown: Legend Of The Lost Colony (PC) por Heider Carlos
Outland (X360) por Danilo Viana
VVVVVV (PC) por Émerson Watanabe
Insanely Twisted Shadow Planet (X360) por Danilo Viana
The Binding Of Isaac por Heider Carlos

16 Respostas

  1. com certeza é um jogo que ainda tenho que destrinchar. depois de But Was Yesterday, vou arrumar um jeito de ter esse aí. e que cada bonequinho feio, viu? mas é legal

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    • Tem alguns ainda mais feios ^^ Uma das vantagens de Isaac é que ele é gostoso de jogar no modo janela. E como cada sala demora só alguns segundos pra terminar é prático ficar no alt+tab e acompanhando twitter ou facebook enquanto se jogar ^^ Você nem vai ver as horas passando…

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  2. Enquanto grandes empresas gastam milhões em sequências de blockbusters, os indies detonam em novos produtos com muita criatividade e diversão.
    Vida longa aos Indies!

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    • Sim. Há os indies repetitivos (tipo os trocentos jogos de ação com zumbis), mas sempre tem estas pérolas. E o bom é que se Binding of Isaac fosse lançado pela, digamos, EA, ele provavelmente teria dezenas de DRMs, DLCs e outras siglas cabulosas. O que tira boa parte do estilo “legal” dos indies. Só não comprei Bastian até hoje pela maldita DRM ^^

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  3. Esse mercado Indie deveria ser explorado pelas produtoras Brasileiras. Esse tipo de jogo não exige orçamentos milionários, a parte técnica não é tão complexa quanto um jogo 3D. O que conta nesse nicho é a criatividade, é cativar o jogador pelo diferente…

    Só acho estranho um jogo desse tipo exigir do jogador um PC potente. É um total contra senso fazer um jogo Indie que me faça ter que comprar um computador caro pra jogá-lo. Deve ser problema da engine como vc falou…

    No mais, ótimo review Heider! Cumpriu perfeitamente o papel de nos apresentar um jogo diferente, de nos instigar a conhecê-lo! Muito bom!

    Abs

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    • Achei curioso isso no post do Heider, Euler, e como estou jogando o The Binding Of Isaac também (obrigado Heider ^_^), pude notar os slowdowns e meu conjunto CPU/GPU é realmente potente para um jogo como esse. Uma teoria possível é de que os lags possam ser propositais, como acontece com Gradius V no PS2 ou Ikaruga. Aquelas explosões ganham slowdown proposital, para ficar plástico — não é porque o PS2/Dreamcast estão com 100% de CPU/GPU não, é decisão de design!

      No caso do Isaac, poderia ser algo pra lembrar dos jogos antigos, hehe, mas nem é: ele é CPU bound (só usa CPU e depende dela). Como não há as otimizações típicas das empresas multi-milionárias antes de lançar o jogo, some-se a isso o fato da “raiz” dele ser Flash… ele acaba dependendo muito de CPU e certamente nem usa multi-núcleos, certamente colocando a 100% um dos núcleos e aí… slowdown.

      *update* há uma thread no Steam que confirma isso, não é um problema limitado ao Isaac, coisa do Flash/CPUs “moderninhas” que se adaptam >>> http://bit.ly/xdPOnW

      De qualquer maneira, o joguinho é imperdível, valeu mais uma vez ao Heider pelo review!

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      • Eu pensei ser problemas no detector de colisão. É muito mais fácil dar lag com a lesminha (The Parasite em termos técnicos), por exemplo. Eles podiam reescrever o jogo. O criador de VVVVVV fez isso, se não me engano.

        Euler, um amigo meu falou algo que acho certo: nós brasileiros já gostamos de jogos indie por natureza. Aquelas revistas com coletâneas de centenas de jogos simples normalmente feitos em flash vendiam como água. Street Chaves e Xiao Xiao sempre foram hits em escolas. Falta só atrair mais atenção por nicho ^^

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  4. Assim que vi a página deste jogo na loja da Steam, já tive uma sensação não muito agradável. Apesar de ser uma caricatura de diversos temas, a caracterização das personagens com um teor “meigo” e ao mesmo tempo diabólico/psicopático é uma dicotomia que sempre me incutiu receio. Parece que a ideia do jogo saiu de um daqueles malditos pesadelos que temos na infância… insólitos e perenes.

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  5. Como faço para falar com o desenvolvedor do super console ? mandei e-mail a 2 anos atras e ninguém respondeu. Grato

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    • Olá Luciano! Como respondo todos os emails, acho que houve algo errado com o envio deste seu email. Meu endereço é ericfraga @ gmail.com, pode mandar meu caro que se puder ajudar em algo será um prazer. Abração!

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  6. Belo texto Heider!!
    Eu estou numa de detonar Indie Games também neste início de ano, comecei por Limbo e agora vou de Braid, e Binding of Isaac está na minha lista desde que vi o TH jogando na sua casa… fiquei assombrado pela audácia dos produtores do jogo (em outras palavras… PRECISO JOGAR, PRECISO JOGAR!!!)!

    E essa foto do I am a Error me intrigou, ae comecei a mecher nela, dividi o sprite em 4 partes, girei pra cá, inverti pra lá, e cheguei a esse resultado:

    XD I am No more a error!
    kkkkkkkk

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  7. Adorei esta parte:

    “É bom notar que The Binding of Isaac tem versões pra Mac, Linux e Windows. Um verdadeiro tapa na cara de grandes empresas que reclamam que os custos para portar jogos é proibitivo”

    Realmente Heider, os games Indies tem essa função de quebrar o maldito “Modus operandi” das grandes desenvolvedoras e mostrar que sim é possível inovar e fazer ports,gostei dessa.

    Assisitndo no Youtube eu amei este jogo!Ele é aleatório,melancólico,viciante, com um gameplay baseado em pequenas “salas de combate” e uma movimentação macia,enfim um ótimo jogo.

    Talvez a busca por um desenho e uma arte mais caricata dos personagens tenha sido uma das formas para se chegar a um jogo simples mesmo com um argumento polêmico, porém não ofensivo,acho que deu certo.

    Parabéns e ótimo texto Heider!

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  8. […] Antes meras tentativas de programadores sonhadores, agora são uma moda na indústria. The Binding Of Isaac mostra que independente sabe fazer até Zelda. E com um plus: dungeons geradas aleatóriamente. O […]

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  9. […] já comentado aqui no site é The Binding of Isaac, que misturou os roguelikes com a ação e visão do primeiro Zelda. Estas misturas de gêneros […]

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